Gustavo Gracitelli – CEO do Bynd
No meio corporativo muito se tem falado sobre como vai ser o mundo pós pandemia: de lives a webinars e reuniões internas. Há muita incerteza sobre o futuro no ar e todos sabemos que as empresas não lidam bem com as incertezas. O “novo normal” superou jargões como o “é preciso mudar o mindset” e virou a bola da vez. Nesse sentido, muitas previsões estão sendo feitas e, enquanto existe esforço enorme sendo dedicado a prever o futuro para reduzir as incertezas e os riscos, temos visto e vivido dinâmicas muito diferentes daquelas com as quais estávamos acostumados e sentido seus impactos diretos.
Para a surpresa de muitos, há também impactos positivos – destaco alguns: as empresas foram forçadas a acelerar drasticamente a jornada da transformação digital e entraram com tudo no home office ,a poluição nas grandes cidades diminuiu drasticamente permitindo que todos respiremos melhor, as pessoas – que antes eram obrigadas a ficar horas em deslocamentos (agora inúteis) – têm mais tempo das suas vidas disponível e a produtividade das empresas aumentou a ponto de passarem a considerar o teletrabalho melhor do que o trabalho no escritório.
Tudo isso parece se apresentar agora como novidade mas essa é, na verdade, uma conversa antiga. Diversos dos resultados das mudanças provocadas pelo isolamento já estavam sendo apontadas como necessárias na Agenda 2030 da ONU – um plano que estabelece 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, chancelado por todos os 193 países signatários da ONU e publicado em 2015. A Agenda traz um plano ambicioso para o futuro e vem movimentando organizações e pessoas no mundo todo, inclusive no setor privado.
Até 2030, serão movimentados US$ 12 trilhões
O Pacto Global, frente da ONU que mobiliza o setor privado e conta com 14.802 empresas signatárias, estima que USD 12 trilhões (6.4x o PIB do Brasil) serão movimentados em oportunidade de negócio relacionadas com os ODS até o ano de 2030, prazo para o atingimento das 169 metas globais que compõem os objetivos. O que emerge nas empresas nesse momento de pandemia é a concretização de algumas reinvenções que precisavam de fato acontecer e já estavam até desenhadas, faltava a ação. Faltava o senso de urgência. Esses exemplos nos mostram que o ambiente de risco pode levar à inovação e à mudanças rápidas, acelerando a construção desse futuro desejável.
O isolamento trouxe velocidade e, se estamos de fato comprometidos (no Brasil 947 empresas são signatárias do Pacto Global da ONU), precisamos urgentemente seguir nesse caminho e redefinir as formas de fazer negócios, as relações entre pessoas, os conceitos de riqueza e produtividade, o uso dos recursos, os padrões de consumo, entre outros hábitos e práticas. Nesse sentido, os ODS podem ser como uma bússola, apontando o caminho que precisamos percorrer para chegarmos em 2030 sem os problemas do presente.
Dentro da Agenda 2030, o tema que mais me chama atenção é o da mobilidade. Me dedico ao assunto há 6 anos e me impressionei com o quanto a mobilidade corporativa foi diretamente impactada pelos desafios da pandemia. Ao mesmo tempo, a mobilidade está intrinsecamente ligada a metas de 6 ODS (3: Saúde de Bem Estar; 8: Trabalho Decente e Crescimento Econômico; 9: Indústria, Inovação e Infraestrutura; 11: Cidades e Comunidades Sustentáveis; 13: Ação Contra a Mudança Global do Clima; e 15: Vida na Água).
Segundo a pesquisa mais recente de Origem e Destino do Metrô (2017), 76% dos deslocamentos motorizados na região metropolitana de São Paulo aconteciam por causa do trabalho. Setenta e seis por cento! Mas embora as empresas sejam as grandes responsáveis pelo problema,, de acordo com o Índice de Mobilidade Corporativa 2019, 50% das empresas da região metropolitana de São Paulo não ofereciam nenhuma política de teletrabalho, 25% possibilitavam apenas 1 dia da semana e apenas 6% ofereciam a possibilidade de teletrabalho por até 3 ou mais dias. Ainda segundo o IMCorp 2019,, as pessoas que utilizavam transporte público afirmaram chegar ao trabalho já exaustas e relataram que sua produtividade é afetada por isso.
A hora é agora
É por isso que se faz cada vez mais necessário trazer essa discussão à tona, uma vez que as empresas têm uma grande oportunidade nas mãos e ainda não perceberam. Falam em sustentabilidade sem se dar conta que através da mobilidade corporativa é possível transformar impacto negativo em impacto positivo de maneira imediata, criando uma política eficiente e centrada nas pessoas. Em alguns países por exemplo, já é costume ter a posição de gestor(a) de mobilidade nas empresas, enquanto no Brasil o tema é tratado com pouca relevância e fica diluído entre RH, benefícios, sustentabilidade, facilities, patrimônio e frotas.
A chegada do COVID 19 trouxe a urgência de uma adaptação emergencial para as empresas (das mais tradicionais às mais modernas), a maior surpresa foi a produtividade. Ao contrário do que muitos gestores previam, ela se manteve ou aumentou. A tecnologia deu conta e as pessoas seguiram produzindo. De acordo com o estudo realizado pela Pulses, startup de clima organizacional, engajamento e performance, 78% dos brasileiros se sentem mais produtivos trabalhando remotamente.
Agora, muitas empresas já trabalham com a perspectiva real de reduzir seus escritórios ou, ao menos, descentralizá-los, mas ainda não planejam construir uma política de mobilidade corporativa eficiente e centrada nas pessoas. É tempo de mudar! Através de uma política simples é possível causar impactos diretos e imediatos na vida das pessoas, na produtividade das empresas e na dinâmica das cidades. Exemplos desses impactos não faltam.
Uma empresa que pensa a mobilidade dos colaboradores de forma estratégica produz mais, reduz custos, tem pessoas mais produtivas e felizes, se torna uma marca empregadora, aumenta a retenção e atração de talentos, melhora o clima organizacional, constrói saúde mental, diminui a sinistralidade dos planos de saúde e reduz o impacto ambiental negativo. Não estamos falando de soluções mirabolantes, mas de ações simples e práticas e que estão acontecendo bem diante dos nossos olhos.
Sabemos que o mundo não vai ficar em isolamento para sempre, mas também sabemos que as práticas do nosso passado recente estavam construindo o colapso. Eu acredito em um mundo pós pandemia que aprendeu com os seus erros e no qual a iniciativa privada tem a coragem suficiente para transformar o discurso em ações práticas, uma vez que isso gera mais negócios e mais dinheiro. Acredito que com um pouco de ousadia e inovação construiremos juntos um mundo onde todas e todos vivam bem.
Esse há de ser o “novo normal”.
*Formado em Ciências Econômicas pela Faculdade de Economia, Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Gustavo Gracitelli é cofundador e CEO da rede de caronas corporativas Bynd
*Artigo publicado nas versões impressa e digital do Estadão Mobilidade no dia 24 de agosto.