Plano apresenta apenas 3 metas relacionadas à mobilidade e não estabelece prazos ou métodos de gestão e acompanhamento
Em meio a anúncios de greve geral dos trabalhadores no dia 28 de abril, o atual prefeito de São Paulo, João Dória Jr. afirmou nesta terça-feira (25) que os funcionários públicos municipais que aderirem à greve terão o dia de trabalho descontado. Diante da paralisação do transporte público na data, o prefeito indicou uma saída: uma parceria com empresas como Uber e 99taxi para levar, gratuitamente por meio de doação de corridas para o município, os funcionários de casa até o trabalho.
A medida gerou críticas e até mesmo boicotes aos aplicativos foram convocados nas redes sociais. “O direito à greve dos trabalhadores da prefeitura deve ser respeitado. Os funcionários estão sendo pressionados a não aderir à greve e a ação da empresa contribui para a desmobilização”, convida o evento no Facebook, organizado pelo professor universitário Pablo Ortellado e por outros dois intelectuais.
A pergunta é mesmo inquietante, especialmente se as últimas políticas de mobilidade anunciadas pela prefeitura de São Paulo forem levadas em consideração. Apresentadas no Plano de Metas 2017-2020, as políticas de Dória privilegiam o uso do carro individual em detrimento ao transporte público e à integração com outros modais de transporte como bicicletas, skates, patins ou caminhadas.
O que diz o Plano de Metas do Dória sobre apps e carros?
O Plano de Metas é uma conquista da sociedade civil, regulamentada em 2008, no qual a cada quatro anos os prefeitos recém eleitos têm até 90 dias para apresentar suas propostas para a cidade. O atual Plano de Metas de João Dória ainda está na primeira versão, mas já tem 50 metas, 69 projetos e 430 linhas de ação. No entanto, apresenta apenas três metas relacionadas a mobilidade: aumentar em 10% a mobilidade ativa (modais não motorizados), aumentar em 7% uso do transporte público e reduzir para 6 o número total de mortes no trânsito a cada 100 mil habitantes.
“Muitas metas ali foram colocadas com relação a coisas que já existem, por exemplo: criação de aplicativos e revisão das licitações de transporte público”, defende Ana Clara Nunes do coletivo Sampapé. E a meta de aumentar a mobilidade ativa em 10%, por exemplo, não está clara, segundo Ana Clara. “Mobilidade ativa é tanto a locomoção a pé como por bicicleta, skate, patins e outros, e estão juntos na cidade, mas são modos de transporte muito diferentes. Então a gente não sabe se isso significa aumentar a quantidade de viagens, se é sobre aumentar a porcentagem de viagens com relação ao total, temos muitas perguntas colocadas no ar”, afirma a pesquisadora.
“Este programa apresenta metas focadas em resultados para os cidadãos, com maior qualidade, alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, com maior participação e interação da sociedade. Um programa de metas objetivas não precisa necessariamente ser grande, ele deve ser efetivo e, principalmente, cumprido neste período”, disse o prefeito João Doria em cerimônia de lançamento.
No entanto, a abrangência do Plano de Metas 2017-2020 também é criticada. As linhas de ação não se relacionam com as metas a serem alcançadas e falta de referências geográficas para a aplicação das ações em bairros, comunidades ou regiões da cidade. “Isso inviabiliza a participação da população nos bairros, porque não tem como saber o que foi proposto para cada regional e qual a realidade financeira daquela proposta”, destacou Américo Sampaio, coordenador da Rede Nossa São Paulo em entrevista recente.
Ainda em março, antes do lançamento oficial do documento, os grupos Cidadeapé, Ciclocidade, Greenpeace, Idec e Sampapé entregaram um documento com contribuições para elaboração de planos de ação relacionadas à mobilidade para o Plano de Metas. Tratam-se de sugestões baseadas em outros documentos homologados pela sociedade civil e pelos governos como a Política Nacional de Mobilidade e o PlanMob/Plano de Mobilidade de São Paulo, aprovado em 2015. No entanto, nenhuma das sugestões feitas pelos coletivos chegou a ser adotada pelo Plano de Metas da prefeitura.
Para Sampaio, o atual Plano de Metas representa uma oportunidade perdida. “Esse é um plano que se inicia com uma parte já cumprida e isso é um ponto bastante delicado porque a ideia é justamente apontar que cidade queremos e como vamos chegar lá nos próximos quatro anos. Se a gente parte de pressupostos já estabelecidos ou definidos, a gente perde a oportunidade de apontar com audácia e ambição a cidade que queremos”, lamenta.
Política pró-automóvel
Além da falta de objetividade nas linhas de ação relacionadas à mobilidade ativa, o Plano de Metas também deixa a desejar no que diz respeito à política de transportes públicos. Na primeira linha de ação, chamada “Transporte Meu”, consta a revisão da rede municipal de transporte e a concessão de transporte público via licitação – que já está pronta e detalhada, segundo Rafael Gândara Calábria, pesquisador do Instituto de Defesa ao Consumidor (Idec).
Outra política de mobilidade da gestão Dória que não consta no Plano de Meta da cidade, mas que foi colocada desde os primeiros dias de mandato é o aumento de velocidade nas marginais Pinheiros e Tietê. Apenas neste primeiro trimestre, as marginais já registraram 367 acidentes. Comparativamente ao ano passado, quando a velocidade permitida ainda era de 70km/h, a média de acidentes no ano chegou a 64. Calábria defende que o aumento da velocidade aumenta o risco de gravidade nos acidentes e pontua que a velocidade mais baixa melhorou o trânsito da cidade. “A CET tem um estudo que indicou a redução de 9% do trânsito porque com o carro em velocidade mais baixa, a quantidade de carros fica maior e o ritmo do trânsito melhora, além de reduzir os acidentes”. Também destacou a diminuição de emissão de poluentes e redução dos ruídos como benefícios da política de velocidade baixa nas marginais da gestão anterior. Nos próximos meses, novos estudos serão realizados pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para analisar os fatores de maior impacto na redução de velocidade nas vias.
Rafael Calábria acredita que estas medidas têm um poder simbólico grande, já que indicam a preferência da gestão atual por medidas pró-automóvel. “Toda ação pró-automóvel particular tende a afetar a intermodalidade porque os usuários de carro não estão acostumados a trocar de modal, a fazer baldeação e integrações. A cultura do carro consiste na pessoa sair de casa e parar com o carro na garagem do trabalho, é uma cultura do modo único com o carro. E nos outros modais, isso não acontece completamente porque a intermodalidade é mais natural, o cidadão faz trechos diferentes de diversas formas: trem, metrô, ônibus. O carro, nesse caso, atrapalha um pouco a intermodalidade da cidade”, defende.
Uma condição latente da grande maioria dos carros em São Paulo é que, segundo estudos da CET de 2014, 64% das viagens feitas diariamente na cidade contam apenas com o motorista, aumentando o trânsito e o congestionamento da cidade. Se não cabe aos cidadãos a decisão sobre a velocidade das vias públicas, cabe a ele a decisão do uso privado do carro. Quanto mais pessoas no carro, menos carros nas ruas e por consequência, mais velocidade e qualidade de vida.